Como o Amor é

Como é difícil me lembrar do amor, quando ele não está.
Como é difícil esquecer do amor, quando ele não está.

eu preciso escrever sobre tudo isso

sobre como é difícil
e sobre o que é fácil

sobre meus desejos
sobre a minha alegria e a minha dor
sobre essa distância e essa proximidade

sobre o que eu fiz de mim

sobre o passado
sobre o futuro
sobre as minhas expectativas
sobre me sentir pesada

sobre o que eu não sei e preciso saber que não sei

p.s.: preciso assumir que sou Clarice.

Eu sou uma mulher de palavra

O que eu tenho são elas: as palavras

As vezes eu queria poder dançar,
e eu danço.

As vezes eu queria poder pintar,
e eu pinto.

Mas eu queria mesmo era poder dizer, sentir, cheirar e ler
pra mim mesma as palavras que habitam em mim
que esperam longos e profundos espaços de tempo
para se tornarem próximas e conscientes

As palavras que me devolvem
que me entregam
as palavras que me denunciam
me mostram
e me dão notícias de mim para mim mesma

Por que são elas que fazem isso por mim
Por que eu sou uma mulher de palavra

Lobo mal

Ele tinha cara de lobo mal.
Ele tinha jeito de lobo mal.

Ele tentou muito compensar.
Ele tentou muito disfarçar.

E no final das contas,
ele era lobo mal.

Fim da história.

eu tomo conta do mundo

eu tomo conta do mundo
dia e noite eu tomo conta só com olhar
as borboletas, das flores
do transito
do ceu
das estrelas

do mar
das criancas
dos pobres
do amor
dos amantes
das estacoes
das folhas e arvores
das pessoas na rua

sou responsavel
por tudo isso
por tudo que existe
é que eu nasci assim
incumbida de tomar conta, por tomar conta

isso me ocupa
isso me cansa
isso as vezes é inutil
isso as vezes é tudo
mas isso é o meu trabalho


a dor da dor

sentada com as mãos no rosto, sinto.
que dor é essa que vive em mim há tanto tempo?
que palavras querem sair mas não encontram o caminho
não encontram palavras que não causem desconforto?

quais as palavras que moram aqui 
quais palavras eu anseio ouvir 
saindo de mim com a minha própria voz
que eu nunca pude dizer antes?

o que é que está escondido tão bem
que nem eu mesma posso saber?
que tipo de dor se achou tão feia 
que se escondeu e agora dói por não poder ser vista
dói por pensar que não pode existir?

a minha dor dói por não haver permissão de existir.


e eu me pergunto: o que é que eu ainda não me permito ouvir de mim?

essa é a dor da minha dor.

reunindo as partes



Uma parte minha tá tão feliz 
Uma parte minha tá tão triste 

Uma parte minha tem muito medo
Uma parte minha é só coragem

Uma parte minha quer ir
Uma parte minha não quer sair de jeito nenhum

Uma parte minha quer desbravar
Uma parte minha quer se esconder

Uma parte minha ainda não sabe
Uma parte minha não liga

Uma parte minha é amor
Outra parte minha é dor

Uma parte minha tá certa
Outra parte errada

Uma parte minha se identificou com uma parte
Uma parte minha ficou de fora

Uma parte minha lembrou de outra parte
Uma parte minha voltou pra casa

Uma parte minha sou toda eu
Uma parte minha nunca será tudo

Uma parte minha ainda não consegue

Uma parte minha já morreu
Uma parte minha nem nasceu

Uma parte minha está aqui
Uma parte minha já foi

Uma parte minha tem saudades 
Uma parte minha tá feliz que acabo

Uma parte minha é quem escreve
Uma parte minha é quem me lê

Uma parte minha me sente
Uma parte minha me julga

Alguma parte minha gosta de tudo isso.

maior desejo

eu sempre quis ficar.

tudo que eu sempre quis era: ficar.

mas eu tinha medo de você, ir.

eu tinha medo de sobrar,
eu, em mim, comigo.

eu tinha medo de um abandonar.

então eu sempre ia, antes.
eu sempre fui antes.
eu sempre tinha um plano B.

e eu era boa,
eu sempre te abandonava mesmo em pensamento,
pensando no meu plano de escapar.

fugir da dor que eu imaginava
ser o meu único destino possível
caso você não quisesse o mesmo que eu:

Ficar.

e então eu ia.

muitas vezes eu não me confiava pra você.

mas a maior dor foi não me confiar a mim,
ao minha próprio vontade,
e ficar.

foram anos onde quem me abandonava era eu:
desejos, traídos, ignorados, excluídos de mim.

e eu acabava vazia, sozinha,
mesmo contigo ainda aqui.

é que me parece que um dia, muito cedo,
eu entendi alguma coisa errado sobre o amor.
pensava que eu não pudesse ter o que eu amava.

e como sou eu quem fica comigo,
como me amar?

e hoje, agora,

e eu nem sei se eu sei ficar.
embora esteja ficando...

há sempre oportunidade de dar um passo além
no escuro
e mudar
abandonar sim, o padrão antigo
e deixar de abandonar
a mim
a você
aos desejos
aos nós.

me desculpa.

era só o que eu conseguia até agora
eu tinha que escolher isso
era só o que eu conhecia
até que eu pudesse arriscar
e ficar.

2 coisas


toda vez que eu amo alguém eu ganho duas coisas:
uma pessoa pra amar e medo.

um dia eu aprendi que o amor era algo perigoso pra mim
eu tinha que me proteger 
amor doía.

ser amada era prisão
e amar era padecer

Amor não é seguro.
Amor é seguro.
Amor é o que?

Tá tudo bem ter essa ferida.

Attraversiamo.

medo do medo


eu tenho medo do meu medo

tenho medo que ele gere medo em você

tenho medo do medo que você possa ter do meu medo

tenho medo do meu medo não ser bom suficiente

e não sei o que é maior
o medo de sentir medo
ou o medo de: não sentir.


aprendo?


é triste constatar:
não sei se aprendo mais
com a tua presença,

ou ausência, 

Mas você não vem.
as vezes acho que tenho certezas.
não me escutem.
eu não sei do que estou falando.

Me achando

Onde foi que eu me perdi?
Quando foi que eu virei aquela esquina e me esqueci?

Deixei um pedaço meu no caminho. E segui sem olhar pra trás.

Decidi assim, ou foi descuido meu?

Estes rastros que deixei no caminho, eram de quem?
Entre as risadas e lágrimas, amores e dores,
o que ainda era eu?
Ou era só a metade mim?

Quem havia seguido?
Ela ou eu?

Quem parou no tempo;
e quem olhou pra frente, sem perceber que seguia a rua errada?

Quem havia partido, partida?

Seria aquela a minha rua errada
ou era este o exato caminho que me devolveria
a mim mesma, me esperando do outro lado?
Mais sábia ou mais solitária?
Mais sedenta ou mais vazia de mim?

E se ela havia ficado,
quem haveria cuidado daquilo que não pode seguir,
quando eu virei as minhas costas pra mim?

Eis que aqui, numa outra esquina,
- ou seria a mesma - calejada pelo tempo,
um milagre acontece:
eu me esbarro em mim mesma.

Ela que me procurava ou eu fui quem a encontrei?

Sou pega de surpresa.
Me olho e não posso acreditar.
- Você estava aqui me esperando?

Eu olho completamente abismada
porque só vejo: beleza.

Que beleza era esta que eu não via antes?

O que havia acontecido com meus olhos,
no caminhar pelas ruas erradas, no calejar do tempo,
que me fez ter des-coberto a visão?

Olho com os novos antigos olhos,
sem a cegueira da minha obstinação,
sem as exigências da minha perfeição,
e me vejo, ali: inocente.
Despida, com frio e com fome.
Livre do pesar dos meus julgamentos.
Essa era quem eu não pude ver.
Ouvir, sentir, todo esse tempo.

Eu olho de novo e me encanto.
Arrepio, lamento e choro.

E então eu sorrio pra você.
Quer dizer, pra mim.

E me reconheço.

Eu não fui a lugar nenhum.
Eu havia esperado por mim, todo esse tempo.
Esperado esse momento.
O reencontro da visão, sem a ilusão.

Era eu quem eu buscava,
na cansada caminhada,
na busca por algo fora de mim ,
um outro alguém,
que me desse essa intimidade.

Eram os meus olhos que precisavam
se cegar do que não era eu.
e se abrir, para dentro, para ver o meu coração,
com o o meu coração.
Para ver a verdade.